Na hora do almoço
Lá estava eu, caminhando em direção ao maior símbolo do consumismo - o Shopping Center - para poder almoçar. Era obrigado a atravessar uma avenida movimentada, com um semáforo.
A luz vermelha estava prestes a mudar para a verde, então tive que correr um pouquinho. Quando cheguei do outro lado vi um grupo de meninos mal vestidos e sujos. Um deles estava guardando alguma coisa numa bolsinha, deduzi que fosse dinheiro.
Este menino me encarou. Era mulato, mas tinha os olhos mais claros que uma lagoa e os cabelos queimados de sol. Na sua bochecha havia uma cicatriz de um corte grave. Vestia sandálias Havaianas, um shorts e um moletom.
Eu o olhei nos olhos e ele nos meus. Eu consegui ver toda a sua vida só naquele olhar. Ele tinha 13 anos, já havia sido engraxate, vendedor de balas, limpador de vidros e agora era malabarista. Se tinha pai ou mãe eu não sei, mas sei que não freqüentava a escola. Não sei como foi seu passado exatamente, mas sei que o seu futuro já estava traçado antes de nascer. Cometeria seu primeiro crime e iria para essas casas de recuperação de menores, que eu sempre chamei de FEBEM, lá aprenderia a arte de verdade, viria ladrão, assassino, traficante, um criminoso profissional. Morreria jovem, se não fosse pelas mãos da polícia seria pelas de algum inimigo.
Então eu, incomodado pelo seu olhar profundo, desviei minha atenção e fiz o que todos fazem: me virei e saí andando, fingindo que ele não estava ali. No almoço, no shopping, comi feliz um delicioso BigMac.
Texto 2 (primeiro relato do meu diário de bordo):
17 de Janeiro de 2009
Vou carregar de tudo vida afora
Marcas de amor, luto e espora
Deixo alegria e dor ao ir embora
Amo a vida a cada segundo
Pois para viver eu transformei meu mundo
Abro feliz o peito, é meu direito!
Ângela Rô Rô
Brasil – 16:10
Decolamos! Dei a sorte de pegar os assentos da lado do meu vazios, vou poder dormir deitada. Mas dei o azar de sentar do lado da asa e da turbina. Talvez eu nem consiga dormir.
Comprei um relógio, um perfume e uma capa para a câmera no Duty Free.
Em algum lugar sobre o Oceano Atlântico – 20:00 (horário de Brasília)
Certo, descobri que a agenda não é o suficientemente grande para caber as minhas aventuras na Itália. Então estou mudando para o meio digital, vamos ver no que dá. Tento deixar o mais próximo da agendo, isto é, trago para cá a graça dos poemas daquele caderno com os dias marcados.
Antes da refeição, o homem que estava na minha frente teve um problema com a televisão e se mudou para o meu lado. É, acabou a mamata de dormir deitada. No serviço de bordo eu agradeci pela a Mylene não estar aqui, ela teria que fazer uma escolha difícil entre peixe e porco. Eu escolhi peixe, que veio com macarrão coberto de queijo, e desconfio que o molho do peixe também era a base de queijo. Enfim, comi mal. Vamos esperar pelo café da manhã.
Mesmo com tudo isso, o mais difícil foi deixar o Brasil e minha família. Eu tive que me segurar para não chorar, e continuo me segurando. Eu sorri, mas foi um sorriso de nervoso, eu senti medo e continuo sentindo. Já tive dor de barriga, e enjôo nesse vôo. Mas nada saiu do meu corpo, nem por cima nem por baixo. Talvez não seja mal estar pela comida ou algo do gênero. Acho que é isso que chamam de frio no estomago, ou borboletas dançando e me engasgando por dentro.
Texto 3 (último relato publicável do meu diário de bordo):
24 de fevereiro de 2009
Custei a compreender que fantasia
É um troço que o cara tira no carnaval
E usa nos outros dias por toda a vida
Adir Blanc e João Bosco
Ontem a noite nós discutimos sobre saudade. A saudade é o revês do parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu. Este é um sentimento muito doloroso. Mas eu ainda acho que é pior para quem fica do que para quem parte. Percebi que não posso olhar fotografias que bate a vontade de voltar. Não exatamente voltar porque eu gosto de estar aqui, mas eu queria que todos estivessem aqui comigo.
Hoje voltou a fazer frio, não fui para a faculdade e logo mais vou comprar meu ticket para Verona. Não liguei para casa e gostaria de ver todo mundo, de falar com todo mundo. Aqui é muito legal, mas aquela conversa de ontem mais o e-mail da Tha e o da San me deu uma vontade louca de voltar. Me deu vontade de ver nós quatro juntas de novo, me deu vontade de nós seis comendo e falando besteira na sala de jantar da casa da mãe. Ontem e hoje deu saudade. Maldita palavra essa que descreve essa agonia, essa falta, essa saudade.